Trânsito ou transtorno?

*Por Caroline Paiva

transito qwEm um domingo qualquer com ar de preguiça, os meus ouvidos foram despertados pelo som de uma freada brusca no cruzamento. Morar em um prédio de esquina tem suas vantagens e desvantagens. Talvez o fato mais marcante seja testemunhar diversos acidentes no cruzamento. Apesar de me sensibilizar com diversos casos que já presenciei, um deles me fez repensar sobre a brevidade da vida.

 

Em geral, os acidentes de trânsito na minha esquina geram apenas danos materiais. Os transtornos causados pelos arranhões e estragos na lataria são grandes, mas não se comparam com o que poderia acontecer com os motoristas e passageiros. Naquela noite de domingo, a batida teve os mesmos desfechos tradicionais: alguns estragos no carro e nada mais. O maior prejuízo estava por vir: o emocional.

 

Da janela do meu apartamento vi o taxista descer do carro desorientado e abrir a porta do passageiro. Rapidamente dois homens e uma mulher, ocupantes do outro veículo, se enfureceram e avançaram para bater no motorista. Em meio a isso tudo, vi uma criança em estado de choque, com dois anos no máximo. Nem a presença da menina no colo do taxista foi capaz de conter a fúria dos outros motoristas e as ofensas verbais.

 

Rapidamente nos prontificamos e descemos do prédio para apartar a briga ou ao menos fazer com que aqueles motoristas recobrassem o bom senso. Não estou apontando responsabilidades sobre o acidente, nem minimizando o erro do motorista. Quero apenas dizer que estamos perdendo a ética que nos humaniza para dar importância ao que não devíamos.

 

O olhar assustado daquela criança ainda não saiu da minha memória. Já presenciei alguns outros acidentes no mesmo cruzamento e, infelizmente, creio que ainda serei testemunha de tantos outros devido à falta de sinalização nas ruas e, acima de tudo, à imprudência dos motoristas. O fato é que, quando observo a vista do meu prédio, repenso quanto valem as vidas e qual é o peso do que dizemos ou fazemos até nos momentos de fúria. É inevitável prever que as situações negativas acontecerão nas nossas vidas. O que nos diferencia é como vivenciamos essas experiências e qual o significado que atribuímos a elas.